17/09/2012

Jimmy Corrigan

Porque, como a professora Diana nos disse na primeira aula, a literatura infiltra-se em todas as formas de arte, deixo aqui a sugestão para uma banda desenhada incomum: "Jimmy Corrigan, the Smartest Kid on Earth" de Chris Ware, publicada pela Fantagraphics

O título é extremamente simpático para com o nosso protagonista. Porque Jimmy é uma daquelas pessoas com uma mente simples, que a certa altura na vida resolveu parar de desenvolver-se intelectual e emocionalmente. Tem trinta e seis anos de idade. Tem um emprego que consiste em fazer algo de extraordinariamente indefinido num cubículo, num piso qualquer de um edifício de escritórios. Nada de muito excitante. Tem um fraquinho por uma mulher que ainda não reconheceu oficialmente a sua existência. Tem uma mãe que, não obstante viver num lar, possui a capacidade de o controlar e manipular-lhe completamente a vida graças ao uso habilidoso da chantagem emocional e do telefone. E tem agora a oportunidade de conhecer o pai que nunca teve, o tal que o abandonou e à mãe e que ele passou toda a vida a demonizar.

Chris Ware idealizou um trabalho, que ele confessa ser semi-autobiográfico, que é uma viagem pelas emoções. E nele, como na vida, a mais rara de todas será a felicidade. Porque "Jimmy Corrigan..." não é uma leitura deprimente. É simplesmente arrasadora. Sem puxar à lágrima, mas com uma crueza impiedosa, Ware conta-nos sobre o encontro de Jimmy com o pai durante o feriado de Acção de Graças, mas vai ainda mais longe. Por meio de flashbacks, conta-nos também a história das gerações anteriores de Corrigans, um relato muito íntimo e humano das lutas travadas com a vida pelos homens que vieram antes de Jimmy. A complexidade emocional de todas as personagens foi trabalhada ao mais ínfimo pormenor. Mesmo a mãe de Jimmy que não passa de uma voz no outro lado da linha, possui os seus tiques e excentricidades exclusivas. E tudo de uma forma perfeitamente credível.

A arte é luminosa, em todas as trezentas e oitenta páginas do livro. Os painéis são arranjados aplicando uma lógica quase matemática aos níveis soberbos de narração gráfica que Chris Ware evidencia. É uma espécie de realismo de síntese, onde as cenas se desenrolam demoradamente, pelo tempo que for preciso. A expressividade das personagens permite ao leitor descansar da balonagem ou das narrações e mesmo assim captar a mesma quantidade de informação. E Ware adorna tudo dedicando pequenos painéis a pormenores que à partida não julgaríamos importantes para a história, mas que se adequam ao momento. As cores são limpas e uniformes também usadas como meio de expressar emoção, ou de causar emoção.

No geral, esta é uma obra de génio, capaz de competir com outras, do meio da banda desenhada ou novela gráfica. Eleva esta forma de arte e resgata-lhe a honra perante os mais indiferentes vigias da literatura. Porque lida com emoções, e traz-nos a todos um pouquinho de cada um de nós, seja num maneirismo de uma personagem, ou nas conversas incrivelmente corriqueiras que elas têm, ou então nas relações interpessoais que descreve. "Jimmy Corrigan, The Smartest Kid on Earth" fica-nos no coração e obriga-nos a re-examinar o nosso próprio QI emocional e a forma como nos damos com os outros. Eu recomendo vivamente. Para quem gosta a sério de banda desenhada, e para quem nunca gostou.


Nuno Miguel Lopes


P.S.: Escrevi esta crítica já há alguns anos, e publiquei na internet aqui e ali. Coloco aqui no blog da cadeira apenas para experimentar as funcionalidades da plataforma, que sempre preteri em favor de outras.

1 comentário:

  1. Grata pela partilha e pela sugestão, Nuno.
    Eu gosto muito de BD, mas não tenho "investigado" muito nessa área ultimamente. Li este Verão 'Persépolis', da Marjane Satrapi
    (http://fr.wikipedia.org/wiki/Persepolis_%28bande_dessin%C3%A9e%29), depois de ter visto o filme há uns anos, e adorei.
    Fiquei curiosa relativamente ao rapaz mais esperto do planeta...

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